Você com certeza já ouviu falar do caso George Floyd, homem negro, morto por um policial branco, em Minneapolis, nos EUA. Na cena, Floyd estava imobilizado no chão, dizendo: “I can’t breathe”, enquanto o policial manteve o joelho sobre seu pescoço, o asfixiando até a morte. O assassinato de George Floyd foi filmado e viralizado, causando uma onda de indignação que ultrapassou os limites geográficos, alcançando o mundo todo. Na semana seguinte ao seu assassinato, em 02 de junho de 2020, as hashtags #blackouttuesday e #blacklivesmatter seguidas por imagens pretas dominaram as redes sociais, uma iniciativa conjunta em que as gravadoras fecharam portas, rádios interromperam suas transmissões e artistas silenciaram suas redes sociais, motivados para gerar uma conscientização e dar voz ao movimento antirracista.

É bem verdade que o caso Floyd alavancou reflexões e discussões extremamente necessárias. O debate sobre racismo ganhou visibilidade em todas as partes do mundo e no Brasil, além de diversas manifestações que ocorreram em algumas capitais, um perfil no Instagram – Moda Racista - reuniu denúncias, sobretudo anônimas, de racismo na indústria da moda. Devido à grande polêmica fomentada nos posts, o perfil rapidamente ganhou muita visibilidade e expôs alguns estilistas que tiveram falas e atitudes racistas. Infelizmente, por conta dessa mesma visibilidade, o criador da página foi ameaçado judicialmente e teve que retirá-la do ar, mas a discussão segue vivíssima!

Por exemplo, para escrever este texto e com uma rápida pesquisa no Google usando as palavras-chave “moda racista”, identifiquei uma diversidade de assuntos que podem gerar pautas gigantescas. O assunto é amplo e complexo, o racismo existe nos pequenos e grandes detalhes e está incluído em todas as esferas sociais. Logo nas etapas iniciais, como um casting, o racismo impede que mulheres pretas sejam escolhidas para protagonizar desfiles ou campanhas publicitárias. Caso cheguem às passarelas ou às capas de revistas, o racismo está nas maquiadoras despreparadas para preparar uma pele negra ou cuidar de um cabelo black power. O racismo é percebido também entre os estilistas - você consegue me dizer o nome de 5 estilistas negros famosos, sem estarem listados em algum post sobre o dia da consciência negra? Ou maquiadores, cabeleireiros, fotógrafos? Não há diversidade, nem mesmo nos bastidores dos eventos de moda.

Levando a discussão um pouco mais a fundo, creio que essa invisibilidade seja também um reflexo de uma moda que se identifica muito mais com o que é produzido “lá fora”, do que aquela que valoriza suas próprias raízes. É comum ver marcas que enviam suas equipes para copiar modelos pesquisar tendências na Europa ou Estados Unidos, enquanto o nosso próprio país oferece uma gama de cores, materiais, texturas e uma cultura riquíssima, cheia de histórias pra contar. É praticamente impossível não associar este fenômeno do “olhar o que vem de fora” ao caso Floyd. Precisamos de uma validação americana para dar voz ao que acontece todos os dias em nosso país (movimento que, inclusive, já perdeu muito a sua força de lá pra cá).

Mais intrigante ainda é pensar que somos um país com aproximadamente 210 milhões de habitantes e a maior parte (54%) é formada por negros. Enquanto pensava nessas estatísticas e porcentagens, lembrei do trabalho apresentado por minha amiga Carol Siqueira, num congresso sobre estudos da imagem no ano passado. Em seu trabalho: “A ilusão da diversidade étnica na publicidade de moda: Vogue Brasil 2013 a 2016”, ao analisar 48 capas da revista, ela constatou que a porcentagem de modelos negras nas capas foi de 10,4%, ou seja, apenas 5. Fazendo jus ao próprio título do trabalho – ILUSÃO -, a Carol considerou que as práticas de diversidade nesse contexto foram irrisórias, visto que o percentual de mulheres negras no país é de 48,5%, ou seja, praticamente metade da população feminina. Infelizmente, a diversidade étnica pode ser entendida como mais um recurso publicitário, em prol de negócios, e menos de uma postura verdadeiramente ética, inclusiva, por parte dos envolvidos com esse campo.

É necessário compreender que a moda não é, nem nunca será, um evento isolado. Ela é correlata ao espírito de cada tempo, ela assume importância no contexto social e atua fortemente influenciando práticas e comportamentos. A moda reflete a estrutura na qual está inserida... em uma sociedade racista, a moda também será racista. Afinal de contas, ela é primordialmente um sistema mercadológico, estético e de poder, que se reflete nas estruturas sociais vigentes.

Retornando ao trabalho importantíssimo da Carol, e já finalizando, ela pontua um conceito chamado “mito da democracia racial”, que se trata de uma ideia ingênua de que o país se construiu na aceitação cordial da diversidade étnica e cultural dos povos brasileiros, quando na verdade, as culturas negra e indígena foram minimamente valorizadas, contadas ou apreciadas. Em um país tão miscigenado e híbrido, iniciativas em prol da valorização da diversidade deveriam ser recorrentes – e não uma exceção ou raridade, como acontece até hoje.

A moda contemporânea precisa romper com esse sistema de poder excludente. Embora seja estruturalmente racista, gordofóbica, misógina, eurocêntrica; no Brasil há belezas plurais - e isso precisa ser mostrado. Compreender a visão do negro não vai mudar este racismo estrutural, mas praticar a inclusão, sim! A ação precisa ser maior do que a fala, e essa mudança efetiva também depende do consumidor final, não comprando de marcas que tem atitudes racistas e preconceituosas.

Fotografia: Coleção Verão 2020 do estilista Isaac Silva, para a 45ª edição da Casa de Criadores. Créditos da imagem: Marcelo Soubhia/FOTOSITE.

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