Já faz um tempo que me incomoda o fato de a Netflix Brasil considerar a tag ‘Filmes Brasileiros’ na lista de gêneros sugerida pelo catálogo (e isso lá é gênero, meu povo?); quase como uma espécie de distinção em relação as demais produções, o que ameniza o cenário é que mais recentemente a plataforma de streaming adicionou produções nacionais de bastante fôlego, embora ainda careça de um menu, digamos, menos pipocão. Não que eu seja contra as comédias populares, mas como partidária das obras nacionais, as indicações nas plataformas como Globo Play e Net Now ainda me parecem muito mais atrativa que a locadora, por vezes meio empoeirada, da Netflix. Mas não usemos este nobre espaço pra ficar de tititi e bora direto ao ponto com a série “Boca a Boca”.

Bicho, eu sou bem fã desse diretor, Esmir Filho! Há uns dez anos descolei uma cópia pirata de “Os Famosos e os Duendes da Morte” (2010) emprestada de um amigo que também amava caçar filmes alternativos do circuito brazuca. Foi um encontro místico. Na época, provavelmente eu não entendia bulhufas a respeito das teorias do cinema, mas seguia fortemente a intuição julgando o trailer ou o cartaz (uma verdadeira paixão que cultivo é colecionar imagens.jpg de cartazes numa pastinha do drive). Hoje, não vejo mais trailers e raramente dou conta de acompanhar tudo que é lançado, mas com as facilidades de acesso a informação pelo Instagram, por exemplo, sempre esbarro em perfis relacionados.

Sou um pouco exagerada quando gosto de algo, e vez ou outra rola de eu indicar um filme ou uma série e fulano achar “ok” rsrs – isso, é porque quando passo a curtir algum estilo específico ou, neste caso, um (x) diretor (x), fico uma temporada meio vidrada no assunto e só tenho vontade de falar disso. Acho que todo mundo é um pouco assim, né?! Voltando ao tema dos “Famosos...”, naquela época era muito difícil assistir a filmes como este, e só mesmo no final do ano, durante o Festival Kinoarte de Cinema, é que dava para cogitar uma exibição. Sem apologia às cópias piratas, claro, mas só quem gosta muuuuuuito de cinema sabe a dor e a delícia que é ver um filme entrar e cartaz em São Paulo e sofrer as amarguras da incerteza de quando diabos isso virá para sua cidade. Eu disse e repito, sou exagerada! ¯\_(ツ)_/¯

O fato é que o longa me marcou tanto que, mesmo passados dez anos desde a sua estreia, tanto criatura como criador eventualmente aparecem na minha rota de mira e, quando leio notícias de Esmir Filho, admito, já bate uma mini ansiedade. Quem acha que NUNCA viu nada desse diretor, o curta mais popular que ele dirigiu foi o cláááááássico youtubeano “Tapa na Pantera”, interpretado pela deusa Maria Alice Vergueiro, em 2006. Trata-se de um monólogo bem-humorado sobre o hábito de fumar erva em que a atriz questiona o barato e o “vício”. É desse filme a expressão “fuma aqui, toma um chá” que, como diz a própria a personagem, “– É bom para reavivar a memória” hehehe. Contemporâneo a “Tapa”, Esmir lança no ano seguinte um de seus primeiros curtas de maior reverberação, “Saliva”, uma obra poética sobre o primeiro beijo de uma menina de doze anos. Lindo e sensível, este filme é Esmir da cabeça aos pés, e quem assistir Boca a Boca vai identificar os motivos.

O diretor já deixou claro suas tendências narrativas ao seguir protagonizando histórias de estilo Coming Of Age – expressão que vem do gênero literário denominado Bildungsroman, do alemão ‘romance de formação’ –, cuja designação diz respeito ao tipo de romance em que se abordam os processos de desenvolvimento de um personagem, geralmente desde a sua infância ou adolescência, até um estado de maturidade. Prova disso, é seu filme “Alguma Coisa Assim”, que nasce como um curta-metragem em 2006, ganha o troféu de melhor roteiro na Semana da Crítica do Festival de Cannes, três Kikitos no Festival de Gramado e dez anos depois ressurge na forma de longa, mostrando os desdobramentos das vidas dos personagens centrais.

Eita que meu ‘direto ao ponto’ já fez tantos rodeios desde o começo do texto, mas confesso que este é um fenômeno comum quando se trata de um assunto que realmente aprecio (é quando meu lado sagitariana, palestrinha, metida a sabe tudo, intelectual fala mais alto hehe). E tudo isso pra enaltecer a indústria do cinema brasileiro que cada vez mais compete em linguagem, estética, conceito e o que for possível listar aqui, com o cinema realizado no estrangeiro. A gente ainda tem muito o que caminhar no que diz respeito a argumento e roteiro, mas acho que este é um desafio do cinema contemporâneo como um todo. E é neste ponto que quero chegar quando penso nas produções do Esmir.

Há um ambição e criatividade na linguagem deste diretor, que me surpreende cada vez que ele se mete a dirigir algo novo, e que não poderia ser diferente com a experiência da série. Levando em conta os desafios narrativos do desenvolvido em episódios e temporadas, uma das coisas que mais me chamam a atenção em Boca a Boca, para além da perfeição estética que prevalece na tela, é justamente o esforço notório na construção dos diálogos e na sequência dos acontecimentos. Para isso, Esmir contou com a parceria de Juliana Rojas, que anteriormente já dirigiu e roteirizou trabalhos bastante relevantes, inclusive no que diz respeito ao cinema de terror nacional, com “As Boas Maneiras” (2017); no ano de estreia, o filme fez a rapa no Festival do Rio, além de prêmio de Melhor Filme no Festival de Cartagena e Festival de Cinema Independente de Buenos Aires.

But back to Boca, cheguei a ler uma crítica cujo discurso dizia que, apesar da primazia na fotografia e direção de arte, a série tem um ritmo lento e que corre o risco de ter os dramas pessoais de cada personagem esvaziados pelo eixo central da trama; embora eu pense que este é justamente um dos pontos fortes desta produção, já que os três protagonistas estabelecem com a narrativa um plano paralelo e de fôlego relevante para assinar uma próxima temporada. Ou seja, tem pano pra manga, mas talvez (e até pensando na reverberação dos papéis de acordo com a reação do público), os diretores optem por evidenciar a jornada de apenas um deles, e que me pareceu apontar para o personagem Alex, interpretado pelo ator Caio Horowicz (please, assistam Califórnia, 2015, da Marina Person – ele tá nesse filme e eu amo muito o enredo desse longa).

Outro rosto que você vai ver em Boca é o de Michel Joelsas, que interpreta Chico, e que provavelmente o espetador vai reconhecer de “O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias” (2006), quando ele ainda era super garoto, ou mais recentemente em “Que Horas Ela Volta?” (2015) – prometo pautar esse filme ou a diretora numa próxima coluna! Agora, se é pra falar de amor, vamo de Iza Moreira... Ela, que faz a personagem Fran, e que ganhou meu coração desde o primeiro episódio, contracena com nada mais, nada menos, que Grace Passô, e sua personagem é uma garota introvertida, porém dona de uma intensidade absurda. Fran usa da arte em forma de ilustrações para exprimir seus desejos e faltas – o que, na minha singela opinião, é uma das coisas mais bonitas para conseguir pôr pra fora tudo o que a gente sente.

Boca a Boca estreou no final de julho e até a fabricação deste post a série continuava no Top 10 Brasil indicado pela Netflix, mas uma dica é: acessem a tal lista de gêneros, selecionem a categoria destinada às produções nacionais e deem uma chance para o que nossa indústria está aprontando por lá. Existe um debate sobre os algoritmos no streaming e uma questão ainda maior quando se trata de Netflix Brasil – já que a gente continua contribuindo muito para o enriquecimento da plataforma $$$, e recebendo relativamente pouco para as criações originais brasileiras. Outra dica, o próximo longa de Esmir Filho, intitulado Verlust, e rodado no Uruguai, deve trazer Ismael Caneppele, Andrea Beltrão e Marina Lima no elenco principal. PRE-PA-RA.

(Sobe créditos finais).

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