Quase tudo que envolve o universo dos filmes de Jim Jarmusch me torna cada vez mais uma amante deste diretor estadunidense, que é um autêntico representante do cinema autoral de baixo orçamento. Entre o desbunde beatnik e seu flerte quase sempre presente com ícones da contracultura americana, ou até mesmo seus ídolos rock stars como Iggy Pop e Tom Waits, fazem de sua filmografia uma sopa pop vendida numa embalagem de comida instantânea; tudo é adorável nesse dialoguista excepcional, cujos roteiros escritos e dirigidos por ele próprio nada tem de normal ou comum – afinal de contas, estamos falando de um diretor que assina Sobre Café e Cigarros e ao mesmo tempo Só os Amantes Sobrevivem.

Conheci Jarmusch através da mesma pessoa que me introduziu William Burroughs, Allen Ginsberg, Patti Smith e Hunter Thompson – má pessoa certamente não é! Uma professora da época de faculdade que virou amiga e mestra em transmitir os conhecimentos mais sórdidos da literatura marginal e da música underground. Além das infinitas referências, tem uma coisa na estética e na linguagem de tudo o que reúne os filmes de Jim que me lembram certamente nossos cafés e bebedeiras. É bizarro e ao mesmo tempo muito divertido, adjetivos que certamente podem “definir” boa parte de seus filmes, em especial o mais recente, Os Mortos Não Morrem.

No elenco, ademais um dos mortos-vivos de Jim Jarmusch já citado na cabeça deste texto, Iggy Fucking Pop, Bill Murray, meu eterno ghostbuster / Steve Zissou que aparece em cada meia dúzia de filmes entre cinco realizados por Jim, Adam Driver (me falta referências antigas já que Driver é jovem, mas adora andar com os velhotes de JJ, ou para os mais babys, Kylo Ren, em Star Wars: O Despertar da Força), a excêntrica e andrógena Tilda Swinton (me faltam palavras... sou fã REAL! Inclusive ela protagoniza o novo curta-metragem The Human Voice, de Pedro Almodóvar, lançado durante a quarentena) Steve Buscemi (Tarantino s2), entre outros. Um parágrafo é pouco para elencar os atores, no entanto, e embora toda essa densidade, parte da crítica afirma que o cineasta dá aos personagens de Os Mortos... “a profundidade de um pires” (C7nema).

Para o bem ou para o mal, e não que isso importe, já que estamos falando de narrativa de zombies na qual esse tipo de dualismo faz pouca ou nenhuma diferença, Os Mortos... apesar de superficial, não é nem de longe um filme fraco – considerando quem o dirigiu, mas também não é um dos filmes que recomendaria para quem se interessar por conhecer a obra de Jim. Escolhi comentar um pouco a respeito desse longa, pois além de ter sido sua produção mais fresca, é também um amalgama do diretor e divide bastante opiniões.

Com evidente homenagem aos filmes do gênero de terror, The dead don’t die (título original) se passa numa pacata cidadela norte-americana de locações clássicas; tem a lanchonete, o posto de gasolina, o departamento de polícia e a casa funerária, administrada pela personagem de Tilda, uma escocesa de nome Zelda recém-chegada na região, que tem um final absurdo (MESMO!!!) e possui habilidade curiosa no espadachim. Uma catástrofe envolvendo os movimentos tectônicos da terra como consequência da exploração polar reaviva os mortos e coloca a responsabilidade do caso sob os ombros da dupla de policiais Ronald e Cliff (interpretados respectivamente por Driver e Murray).

A trama possui subnúcleos paralelos e bem pouco desenvolvidos, mas que auxiliam de alguma maneira a dinâmica (lenta e sem muito propósito) da jornada entre os sobreviventes da cidade e o ataque de zombies. Um personagem em destaque, o ermitão Bob, interpretado por Tom Waits, funciona como um narrador observador das mudanças estranhas na natureza e na lua, e também é quem vai assistir a toda ruína e o fim da raça humana. Bob acaba por ser o personagem que coloca em pauta as metáforas do morto vivo diante da condição do homem no mundo capitalista. Além de sua participação como este voyeur do fim, outro ponto de crítica social estão nas sequencias em que os zombies buscam por resquícios de quem eram antes da morte e de maneira caricata repetem coisas como “wifi, café, fashion, doces, nestea, bluetooth, siri, alprazolam, oxicodona...”.

Há também algumas cenas de quebra da quarta parede, em que depois de repetidas vezes que Ronald diz “isto não vai acabar bem”, Cliff fica emputecido e pergunta ao parceiro porque diabos ele insiste neste discurso, e Ronald diz ter lido o roteiro todo. Nesse momento, Bill Murray “aparece” em Cliff e reclama o fato de nunca ter recebido o roteiro completo de Jim, apenas suas particições, mesmo depois de tudo o que já fez por Jarmusch (dentro e fora dos filmes). Apesar de severamente criticada, as cenas de metalinguagem ainda me soam como pequenas delícias e que se tratando da filmografia em questão, ainda tem seu charme e lugar.

Se pudesse recomendar, indicaria aos caros leitores assistir os longas que citei anteriormente, Sobre Café e Cigarros e Só os Amantes Sobrevivem. O primeiro, uma sequência de curtas metragens em que personagens diversos tomam café, fumam e tem diálogos impressionantemente singulares; e o segundo, um longa sobre vampiros com direito a uma trilha sonora maravilhosa e Tilda no papel principal de uma vampirona sensível e amante da literatura mundial. Por fim, o clássico Down by Law, um filme em preto e branco eleito Melhor Filme Americano pelo Bodil Award, um dos prêmios de cinema mais antigos da Europa. E claro, assista também Os Mortos Não Morrem, “porque filme ruim é bom pra caralho!”.

 

(Sobe créditos finais).

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