“O governo ditatorial achava que as mulheres não faziam uma luta tão importante. Tanto que os nossos jornais tinham uma censura menor que os jornais masculinos”, relembra Rosalina Santa Cruz ao Opera Mundi. Rosalina é militante, ex-presa política e uma das integrantes da equipe do Brasil Mulher, primeiro jornal feminista do país, editado inicialmente em Londrina e que circulou entre 1975 e 1980. Foi aproveitando a brecha de estar “do lado mais fraco” da história que duas mulheres contra a ditadura militar idealizaram o jornal com conteúdos relacionados à luta feminina, como a jornada dupla de trabalho, o questionamento da estrutura patriarcal da sociedade e o machismo velado.

 

Essas duas mulheres eram a ativista pela anistia Terezinha Zerbini, e a jornalista e professora Joana Lopes. O primeiro exemplar do Brasil Mulher foi produzido e editado em Londrina, em outubro de 1975, ou seja, há 44 anos. Para aumentar a divulgação e a adesão ao movimento anti-ditadura, o periódico foi transferido para São Paulo logo no mês seguinte e em novembro já possuía sede na capital paulista, onde eram realizadas as reuniões de pauta.

“As primeiras mulheres que começaram o jornal Brasil Mulher em 1975 foram as mulheres que integravam o Movimento Feminino pela Anistia. Em plena ditadura, o número 0 sai em outubro de 75, no mês em que é assassinado Vladimir Herzog. Foi nesse ano em que se dá a retomada do feminismo no Brasil, um ano de forte repressão política no Brasil”, contou Amelinha Teles também ao Opera Mundi. Amelinha fez parte do jornal e era, à época, militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

O objetivo do jornal, segundo Rosalina Santa Cruz, não era apenas ser um jornal para mulheres: “o objetivo era ser uma voz na busca de uma tomada de igualdade perdida. Queríamos usar a inteligência, a informação e o conhecimento em função da igualdade e propomos uma igualdade entre homens e mulheres de qualquer latitude”. Para atingir esses objetivos, o Brasil Mulher “ultrapassou questões econômicas, do concreto, do aparente. Era discutida a subjetividade, como se internaliza o machismo nas mulheres e como isso causa sofrimento e desqualificação”, afirmou Rosalina.

Temas considerados tabu na década de 70 foram introduzidos nas comunidades mais carentes de São Paulo pelo jornal, já que ele era distribuído em clubes de mães da periferia da capital. Com o periódico, discussões sobre temas como aborto, sexualidade, divórcio e direitos das mulheres começaram a ser promovidas.

Contexto histórico

A imprensa tradicional, durante os anos do governo militar no Brasil (1964-1985), ou era alvo constante de censura, ou era conivente com o regime autoritário instalado no país. Diante dessa realidade, um novo tipo de jornalismo surgiu no país: a imprensa alternativa, também chamada de imprensa democrática. Esses jornais eram, em sua maioria, produzidos de maneira artesanal e tinham uma tiragem irregular. A principal forma de comércio desses veículos de comunicação era através de militantes de movimentos populares, afinal, o conteúdo tinha um viés político mais à esquerda e contra o regime militar vivido pelo Brasil. E foi nesse contexto que nasceu o Brasil Mulher, que circulou entre 1975 e 1980.

Mais dois eventos importantes em 1975 culminaram no surgimento do Brasil Mulher: a morte do jornalista Vladimir Herzog (outubro de 1975, mesmo mês em que a primeira edição do jornal feminista foi publicada) e a declaração de 1975 como o Ano Internacional da Mulher pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Apesar de hoje ser considerado um marco do feminismo brasileiro, as primeira edições do Brasil Mulher não falavam sobre o movimento. Em entrevista ao Opera Mundi, Amelinha explicou que "feminismo" era um termo pejorativo à época: "muitas mulheres tinham medo de se declararem feministas e serem mal vistas até pelos homens de esquerda, porque havia uma rejeição enorme”. De qualquer maneira, as mulheres que estavam à frente do jornal ultrapassaram barreiras culturais e políticas para levantarem discussões necessárias e que continuam relevantes até hoje.

Fontes: Instituto Vladimir Herzog, Opera Mundi, Brasil de Fato

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