A ideia de escrever este texto surgiu numa segunda-feira à tarde, enquanto aguardava uma consulta médica. O celular sem bateria me fez retornar aos “tempos antigos”, quando folheávamos revistas que ficam em recepções de consultórios.

Olhei para aquela pilha de revistas na expectativa de encontrar algo que fosse de encontro aos meus interesses, e lá estava ela: uma revista Vogue, de 6 meses atrás. É claro que encontrar uma atual seria pedir muito, afinal de contas, há quanto tempo não lemos revistas assim? Eu, pelo menos, já estava 100% “convertida” ao digital.

Dando aquela rápida “scanneada” nas páginas, principalmente nas imagens, notei que no recheio daquela edição havia uma matéria muito legal que, acredito eu, sintetiza muitos dos assuntos que abordei nos textos anteriores aqui da coluna.

Felizmente a médica deu uma boa atrasada e eu pude ler, com calma, o que a matéria dizia.

Vivian Sotocórno, editora sênior de moda da Vogue, relembra que já faz cinco anos desde que Ralf Simons deixou a Dior, dando início a uma discussão sobre o ritmo frenético da indústria e a pressão para se inventar uma nova coleção a cada dois meses. Nada havia mudado, até a chegada de uma pandemia.

A disseminação do novo coronavírus fez com que grandes marcas se pronunciassem em prol de uma desaceleração. Giorgio Armani relembrou o quanto uma roupa de qualidade leva tempo para ser desenvolvida, em carta aberta ao WWD:

“O declínio do sistema de moda como o conhecemos começou quando o segmento de luxo adotou os métodos operacionais do fast fashion, imitando o ciclo de entrega sem-fim deste na esperança de vender mais”.

Outras marcas também se posicionaram, seguindo essa mesma linha de raciocínio: a Saint Laurent anunciou que, daqui pra frente, só desfilará quando tiver algo realmente novo a mostrar, e a Gucci deixará de seguir as estações predefinidas.

O CFDA (Council of Fashion Designers of America) e o BFC (British Fashion Council) emitiram, juntos, uma carta às marcas de ambos os países na qual enfatizam, entre outras medidas, a recomendação de que os designers se concentrem em apenas duas coleções principais ao ano:

“Acreditamos firmemente que isso pode fornecer aos nossos talentos o tempo necessário para se reconectar à criatividade e ao trabalho manual que tornam nosso campo tão único. Um ritmo mais lento também oferece uma oportunidade para reduzir os níveis de estresse dos designers e de suas equipes, o que, por sua vez, terá um efeito positivo no bem-estar geral da indústria”.

“Noooossa Maria, você tá falando de novo sobre consumo consciente?”

Sim.

Na verdade, eu ouso trocar esse conceito por algo mais amplo, mas que faz muito mais sentido pra mim: eu realmente acredito numa moda com propósito.

É claro que há muitas (muitas!) nuances e desdobramentos quando fala-se sobre este assunto. Ontem mesmo, enquanto assistia os stories de uma amiga que também trabalha com moda, ela assumiu se sentir culpada por ter comprado peças de um site da China – que, inclusive, eu também já comprei diversas coisas.

O que eu achei mais interessante disso tudo, além de sua honestidade em “assumir” o que fez, foi a sua reflexão sobre o ato de compra.

A moda consciente vai além do boicote ao fast fashion.

Seria lindo se todos tivéssemos condições de adquirir produtos artesanais, de comprar de grandes marcas que possuem etiquetas de responsabilidade social. Mas além de ser um discurso elitista, é ilusório. O slow fashion custa caro e, vivendo em um país com tamanha desigualdade social, o consumo consciente ainda é uma prática destinada a uma minoria.

Mas, afinal, como promover mudanças significativas neste cenário?

Fazer o que a Bia fez nos stories, por exemplo, é um começo. É no ato de tornar consciente o que fazemos, que passamos a refletir e ficamos instigados a saber o que acontece, de fato, “por trás” das roupas.

Mas, retornando ao conteúdo da Vogue...

A moda, felizmente, está implementando mudanças significativas que contribuem para este olhar consciente. Quero destacar aqui alguns pontos que achei super interessantes e que vão de encontro a tudo o que eu venho aprendendo sobre este assunto!

  • Propósito e conexão

Além (ou justamente com) da mudança de ritmo, é hora de estilistas e marcas se reconectarem com seu verdadeiro propósito, questionarem seu papel no mundo, exercerem ao máximo sua criatividade, mergulharem em seu DNA e entenderem o que os torna únicos. Não há mais espaço para quem apenas segue em piloto automático, existindo só por existir. Daqui pra frente, os consumidores irão, cada vez mais, só se conectar com marcas pelas quais se sintam respeitados, alinhadas com seus próprios valores.

  • Comprar é um ato político

Antes da pandemia, já era fato consumado que a indústria da moda precisava se tornar mais sustentável. É inadiável produzir menos e com mais responsabilidade ambiental? Sim. Mas tais mudanças dependem também de um necessário novo comportamento de consumo, com clientes conscientes em priorizar qualidade à quantidade. Não basta só apontar o dedo para as marcas. O consumidor tem poder, tem impacto, emite sinais do que deseja, a mudança também está em suas mãos.

  • É do Brasil

A moda foi um dos setores mais afetados pela pandemia do novo coronavírus no Brasil, com retração de até 90% de seu faturamento. É necessário unir forças para reerguê-la, e isso passa por valorizar, mais ainda, o que é feito aqui. O setor como um todo emprega(va) mais de 8 milhões de pessoas direta e indiretamente, das quais 75% são mulheres.

  • A moda é feita por pessoas

Como e quem o fez deve ser tão importante quanto o produto final. Em meio a números e porcentagens de lucro, muitas vezes esquece-se que quem está por trás daquela produção são pessoas que precisam ser respeitadas, valorizadas e corretamente remuneradas. A figura do diretor criativo acima de tudo e todos ficou no passado: da costureira ao agricultor, cada elemento da cadeia é peça fundamental.

  • Quanto vale um produto?

Inúmeras coleções e peças produzidas geram, consequentemente, inúmeras sobras. A indústria caiu em um círculo vicioso, no qual as liquidações começam cada vez mais cedo e duram cada vez mais tempo, o consumidor se acostumou a comprar a preço de sale, e o produto acaba desvalorizado. Em uma carta aberta dirigida às grifes nacionais, endossada pelo SPFW, InMod e FFW, a associação sugere uma mudança definitiva no calendário do varejo no país: daqui pra frente, as liquidações de inverno devem ocorrer apenas em agosto, e, as de verão, em fevereiro. Isso é, também, uma consequência da desvalorização de um processo. O consumidor precisa saber o que está pagando quando adquire uma peça, é preciso ter mais transparencia desses custos.

  • Unidos somos mais fortes

Na contramão do estereótipo de indústria hipercompetitiva, um espírito ultracolaborativo vem nascendo junto à nova geração de designers daqui e de fora – que pregam que, quanto mais marcas tiverem bem, mais o mercado será fortalecido como um todo.

Retirado da Vogue Brasil, edição de junho/2020.

 

Moda com propósito, consciência ambiental, consumo consciente, produção e valorização nacional, responsabilidade social, tranparência no processo produtivo, união entre trabalhadores do mesmo setor...

A moda tem, sim, muitos caminhos sombrios. Mas ler esse tipo de coisa me dá uma pontinha de esperança. Parece repeteco falar toda hora sobre isso, mas todos os temas citados acima já foram, direta ou indiretamente, mencionados nos meus textos anteriores.

Eu confesso que não sabia muito bem como fazer este texto, porque parecia que eu já tinha falado sobre tudo. Ao fazer uma leitura de tudo o que eu havia escrito, notei que, na tentativa de ensinar as pessoas sobre o pouco que sei sobre moda... fui eu quem aprendi.

E não só aprendi, mas, reaprendi e ressignifiquei toda a desesperança que pairava sobre mim, quando pensava na moda como um todo. Realinhei o meu olhar sobre ela e finalmente, compreendi que ela ainda pode ser bonita. Ela ainda tem um propósito.

E eu, como consumidora (e, quem sabe, futura empreendedora?) me empenharei em ser resposta ao que o nosso mundo precisa.

Por ora, me despeço. Não sei quando volto, mas espero que seja em breve.

Com amor,

Maria.

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