Como qualquer adolescente aos dezessete anos, passei por aquele fatídico momento de escolher um curso que me acompanharia pelo resto da vida. É claro que isso não é verdade, mas para uma menina recém saída do colegial, essa era uma escolha definitiva. Muito mais do que um curso de graduação, essa escolha definiria, também, quem eu realmente sou, o que gosto de fazer. Mas, afinal... quem sou eu? O que eu gosto de fazer? Essas perguntas ecoavam em minha mente inquietante...

- Você tem cara de advogada, acho que você deveria fazer direito – dizia meus pais e alguns professores.

- Você fala muito bem, porque não faz jornalismo? – dizia a minha irmã.

Na contramão dos palpites, fui para o design de moda. Honestamente, fazer uma graduação em moda não representava o início de um grande sonho, mas era a opção que havia dado certo. Era, também, a que aparentava ser mais fácil. E por falar em fácil, ah...eu me lembro de ouvir tantos clichês!

- Mas vocês fazem o que, só ficam desenhando e costurando?

- Nem precisa estudar pra essa prova, você faz moda...

- Moda é fácil. Difícil é fazer engenharia!

Confesso que ouvir esse tipo de coisa me causava a maior indignação. Mas hoje, após cinco anos de conclusão do curso, constatei que a Maria Fernanda de 17 anos também tinha uma visão estereotipada dessa profissão. A Maria Fernanda de 17 anos pensava que seria um curso fácil, pensava que o glamour das passarelas também estaria na universidade. Ela também achava que o único pré-requisito era se vestir bem - no primeiro semestre, até maquiagem ela passava! No último, o “look do dia” era um moletom surrado, calça jeans e chinelo. Ahhh, o glamour da moda!

Entrar neste universo tão simbólico me ajudou a me despir dessa visão corrompida e estereotipada. Do lado de fora, a “blogueiragem” e os “looks do dia” podem aparentemente beirar a futilidade... mas, do lado de dentro, há tanta complexidade! Os três anos que estudei na UTFPR e mais um ano que estudei na Universidade do Minho, em Portugal, me apresentaram uma moda que é, muito além do vestir, um poderoso meio de comunicação.

Eu sempre gostei mais da teoria do que da prática. Foi numa aula de história da moda, no segundo semestre da faculdade, que passei a sonhar em ser professora. Foi essa motivação que me levou ao meio acadêmico e para a minha amada UEL, lugar em que cursei minha especialização em Moda: Produto e Comunicação e fiz meu mestrado em Comunicação. De estudante de moda, me tornei pesquisadora nas áreas de historiografia e ditadura civil-militar (oi?) porém, por incrível que pareça, existe um grande elo entre tudo isso.

Eu não vou saber te explicar como vim parar na ditadura, mas creio que o meu amor pela história foi o meu norte. Lembra que no começo deste texto eu disse que a moda também é comunicação? Pois bem, moda também é denúncia! Zuzu Angel, por exemplo, uma das mais importantes estilistas do Brasil, usou a única “arma” que dispunha para fazer justiça em nome de seu filho Stuart, que foi brutalmente torturado e morto pelos militares, em 1971. Sem saber o paradeiro do seu filho (a ocultação dos corpos era comum no período ditatorial, como uma forma de apagar as “provas”), Zuzu Angel iniciou uma busca incessante por informações sobre o filho e clamava pelo direito de sepultá-lo, denunciando as arbitrariedades praticadas pela ditadura à imprensa e a órgãos internacionais. Ainda em 1971, realizou um desfile/protesto no consulado brasileiro em Nova York, local escolhido estrategicamente para ter visibilidade e alcançar o objetivo de denúncia, já que no Brasil o seu grito era censurado imediatamente. Neste desfile, suas criações incorporaram elementos que denunciavam a situação, com estampas representando tanques de guerra, canhões, pássaros engaiolados, meninos aprisionados, anjos amordaçados. Em 1976, Zuzu foi morta pelos militares, mas por mais de 20 anos a justiça brasileira afirmava que ela teria sofrido um “acidente de carro”.

Zuzu foi a primeira estilista a fazer um desfile/protesto... mas ela não foi a única. Inspirado na obra de arte Guerra e Paz, de Cândido Portinari, o estilista Ronaldo Fraga preparou para a edição nº47 do SPFW uma “coleção/carta póstuma” a Portinari, em que o estilista se pergunta, diante da atual situação em que o país se encontra: o que Portinari pintaria, o que ele denunciaria se pintasse hoje a sua obra Guerra e Paz? Em uma nítida posição de denunciador, Fraga é um dos poucos estilistas que ainda usam a moda para fomentar debates e reflexões a respeito de temas sociopolíticos.

Na passarela, os modelos vestiam capacetes com diferentes adornos que simbolizam as principais lutas e enfrentamentos atuais. Nos bordados, estampas e até nos calçados, haviam desenhos que denunciavam o genocídio da população negra e a escravidão, a perseguição e os ataques contra a comunidade LGBT, as medidas que ampliam a exploração de florestas e roubam os direitos dos povos indígenas, o descaso com as ciências humanas e a educação em geral... Nas palavras do estilista: “a moda pode falar de tudo - do belo, da rica em Miami, das ilhas gregas, ou ela pode falar da vida real. Eu sempre optei por esse último caminho”.

Fraga, eu concordo com você. Eu também quero optar pelo caminho de falar da vida real, das narrativas e dos caminhos complexos que a moda percorre. Eu quero aproveitar este espaço para promover reflexões, discussões (necessárias) e apresentar diferentes nuances deste fantástico universo... porque a moda é assim! Ela é apaixonante, mas é complexa. É look do dia, mas também é denúncia. Moda é revolução. Moda é resistência!

Foto da capa: Danilo Apoena

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