Não vou nem fazer mistério para chegar à resposta, que obviamente é não. Mas, mesmo sabendo disso na ponta da língua, por que será que a gente tem essa quase obsessão por querer preencher, tamponar, fazer desaparecer a falta, o vazio e a dor para ficar bem?
O que me trouxe a essa questão foi que esses dias escutei a um episódio sobre saúde mental do Calma, gente horrível, um podcast que tenho gostado muito. Nele, Ana Roxo, Ryta Alves, Tati Fadel e Malu Rodrigues conversaram com a psicanalista Ana Paula Garcia, doutora em Ciências da Saúde pela Unicamp, sobre várias angústias bem típicas do nosso tempo.
Em determinado momento, Ana Garcia diz: “O ser humano não consegue se manter no bem-estar o tempo todo. Há uma série de demandas para se resolver. É saudável estar triste quando tem uma situação que lhe convoca a tristeza. É saudável ter ansiedade quando tem uma situação que lhe convoca ansiedade. É saudável ficar feliz quando tem uma situação que lhe convoca felicidade. [...] Muitas vezes as pessoas vão procurar tratamentos psiquiátricos, psicanalíticos e psicológicos porque se sentem tristes e não querem nunca se sentir tristes. Porque tem uma imposição da vida perfeita, da felicidade em cena. Esse é um campo das idealizações e ninguém chega às idealizações”.
Pois é... Em tempos difíceis como estes que temos vivido, em que os dias estranhos se multiplicam e o desconforto, a insegurança e o medo muitas vezes dão o tom dos nossos sentimentos, fico pensando o que é procurar viver bem no meio de tanta coisa bagunçada em volta.
Há momentos, né? Horinhas de descuido em que a gente se sente leve, sorri largo e toca a felicidade. Do outro lado, há tantas outas horas em que o peso e a falta – sempre ela – se fazem presentes. “Existe sempre alguma coisa ausente”, disse o escritor Caio Fernando Abreu em uma crônica de mesmo nome para o Estado de S. Paulo em 1994. “Sentir sede, faz parte. E atormenta”, ele completa em outra parte do mesmo texto.
Se por um lado o vazio assusta, entender que ele é constitutivo da nossa experiência enquanto pessoa é metade do caminho andado. Em outras palavras: a plenitude não existe. Não somos plenos em nós mesmas, não temos o poder de suprir todos os vazios alheios e tampouco encontramos em outras pessoas o preenchimento de todas as nossas faltas. Talvez seja sobre olhar a falta no olho e encará-la, lidar com ela, ir na contramão da idealização e da fantasia.
Apesar de às vezes ser dolorido, penso que viver bem, no final das contas, talvez tenha a ver com aceitar que não dá para viver bem o tempo todo. Contraditório mesmo, assim como a vida costuma ser.
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