“Angústia é fala entupida”. A escritora Ana Cristina Cesar quem disse, no livro Inéditos e dispersos. Em tempos de Setembro Amarelo, o mês em que acontece a campanha de prevenção ao suicídio, é preciso lembrar: falar disso agora, neste atípico 2020, é ainda mais importante e necessário.

Para isso, conversei com a psicóloga e psicanalista Manuela Pérgola, que chama atenção para a relevância desses temas para além das campanhas anuais: “A importância de se falar nessas coisas, depressão e suicídio, é poder ir além”.

Em um giro pelas redes sociais, não é raro encontrar pessoas leigas, sem formação em psicologia, psiquiatria e afins, e sem condições de lidar com os problemas emocionais de terceiros, colocando-se à disposição para ouvir e apoiar pessoas que estão passando por alguma dificuldade emocional e precisam de ajuda. Apesar de fruto de uma boa intenção, esse tipo de ação está longe de ser a ideal... Rede de apoio é importante, mas a busca por profissional especialista é fundamental para que a ajuda seja de fato efetiva.  “Neste mês do ano todo mundo pode falar de saúde mental, todo mundo é especialista? Não é para todos!”, alerta Manuela. “Essa história de, por conta dessas campanhas, as pessoas se colocarem disponíveis para ouvir o outro acaba confundindo aqueles que não fazem ideia do que se trata uma análise ou uma terapia. A psicanálise não é sobre desabafar. Pelo menos não o tempo todo. Em um primeiro momento, pode ser que sim. Desabafar, pôr pra fora, desabar. Mas depois é preciso que algo possa ser construído a partir disso. Uma análise se trata de poder falar para a analista, que não é sua amiga, que não é seu igual, que não vai tomar cerveja com você e de quem você não sabe nada da vida. Porque a analista escuta para além das palavras ditas, justamente por não se posicionar naquela relação, naquela função que ocupa, como um igual. A análise te convoca a falar da forma mais honesta possível e reconhecer que ali, naquele sofrimento que a pessoa traz, tem uma trajetória, tem uma história sendo contada”, completa ela.

2020 não tem sido um ano fácil. A pandemia e suas restrições já duram há meses e tem um impacto grande na saúde mental no Brasil e no mundo todo. Por exemplo: de acordo com pesquisa conduzida pela Unicamp, UFMG e Instituto Fiocruz, mais de 50% dos adultos paulistanos relataram ansiedade e nervosismo frequentes desde o início da crise do Coronavírus, como apurado pelo Nexo Jornal. Apesar do agravante, depressão e suicídio já rondam a vida das pessoas muito antes da pandemia. De acordo com dados mundiais da OMS (Organização Mundial da Saúde), a cada 40 segundos uma pessoa tira a própria vida. Já O CVV (Centro de Valorização da Vida) afirma que a cada a cada seis pessoas, uma já pensou em suicídio. “Winnicott [psicanalista] diz que o suicídio não é a vontade necessariamente de morrer, mas uma vontade de voltar para origem, um atalho. E é aí que está o perigo:  é um atalho definitivo. Talvez numa esperança desenfreada de, quem sabe, começar de novo. Mas não podemos ver assim... O que a gente tenta prevenir quando falamos em Setembro Amarelo é justamente tentar fazer com que esse atalho não seja A Saída para o sofrimento, porque existem tantas outras que nem se tentou, que nem se sabe. É preciso lidar com o suicídio sem condenar, sem categorizar, sem juízo de valor, sem extremos. Falar disso pode ser uma das saídas”, explica Manuela.

Voltando ao trecho de Ana Cristina Cesar do início, para a psicanálise, trata-se de estruturar a angústia falando para o/a analista, em um movimento de poder transformar o mal-estar em algo que possa ser dito.  “Medo do quê? Angústia do quê? O que você teme? Fala, fala, fala mais”, convida Manuela.  Falar para encontrar novas formas, novas saídas para existir...  mais do que fazer para de doer ou fazer a angústia acabar, é entender que não se pode negar a angústia e a dor, mas entender que essas coisas fazem parte de quem nós somos: “Não vai ter como a gente suprimir isso, nem com todas as pílulas do mundo.”, completa Manuela.

Quando é a hora de procurar ajuda?

“Medo? Temos! Angústia? Temos. Mas quais são os limites? Quando a ajuda é realmente necessária?”, questiona Manuela. A resposta é individual, mas um alerta a se prestar atenção é quando a angústia te paralisa de alguma forma. É o caso de cada um se perguntar: Qual é o seu limite? Olhe para você, conheça seu limite e entenda até onde você pode ir. “A angústia perigosa, o pensamento perigoso, que é o pensamento de alguém deprimido, é aquele que diz que se tem algo que impõe que a gente não é tudo, que não temos um lugar reservado no mundo, então eu não vou nem tentar. ‘Para que falar? Para que amar, se pode haver uma decepção?’.  Esse é o perigo. Está todo mundo angustiado e vivendo. O problema é quando a gente deixa de fazer as coisas, paralisa”.

Se você precisa de ajuda, procure um psicólogo, psicanalista e/ou psiquiatra ou disque 188 e fale com um dos voluntários do CVV (Centro de Valorização da Vida), que realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email e chat 24 horas todos os dias. Os cursos de psicologia geralmente possuem Clínicas Escola que prestam atendimento gratuito. Na Clínica Psicológica da UEL, as atividades presenciais estão temporariamente suspensas por conta da pandemia, mas estão sendo realizados plantões psicológicos  on-line. Saiba mais aqui.

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