Apesar de o título induzir o espectador desatento a acreditar que este é um filme de campanha e educação socialista, engana-se quem der play no longa documental de Jon Alpert, Cuba e o Cameraman, esperando encontrar extensas e complexas análises sobre a Revolução Cubana. Nada muito profundamente político nem sociológico, mas também nada muito superficial, o que garante a atenção deste filme no catálogo da Netflix é, sem dúvida, os deslocamentos afetivos e de perspectivas que o diretor realiza ao longo de mais de quarenta anos, registrando um dos poucos e sobreviventes países socialistas na história do século XX. Cuba de Fidel sob a ótica de um yankee casado com uma nipo-americana? No mínimo curioso!

Minha fixação por documentários vem desde que me aprofundei nos filmes de Eduardo Coutinho, cineasta brasileiro e pensador da linguagem cinematográfica, e que apesar de não ter deixado escritos, elabora através de sua obra uma espécie de cinema de autor –, e que vez ou outra acaba sendo considerada, por si só, uma modalidade de documentário. Digo modalidade, pois há um pequeno debate no que se refere a interpretação do documentário enquanto gênero. Mas essa discussão retomaremos mais adiante. Me lembrarei numa próxima coluna.

Caracterizada pela aproximação do “entrevistador” com o “entrevistado”, os filmes de Coutinho são repletos de encontros preciosos entre o diretor e seus personagens, e que de maneira bastante afetiva, ainda que num único momento – que se dá por meio daquela conversa –, evoca e convoca uma densidade muito maior na tela. Talvez pela forma, nem tanto pela essência, já que seus filmes são basicamente sempre motivados por esta troca, o que acontece de mais inebriante no cinema documentário é a sensação de que aquelas pessoas criaram laços para o resto de uma vida inteira. São de fato como personagens do cinema convencional, desses que a gente idealiza um fim para os papéis principais e que eternizam os vários estereótipos e arquétipos da representação humana no cinema.

E é mais ou menos nesse caminho, repito: nem tanto pela essência, todavia mais pela forma, que Cuba e o Cameraman chega no meu ‘adicionados à lista’ e me arrebata numa série de provocações sobre o que aparentemente chamamos de acaso, mas que no cinema, e em especial no cinema documentário, é uma verdade fajuta, a que convencionamos acreditar sob o discurso de que tudo que acontece ali, no momento que assistimos as cenas, é a representação do Real. O que difere os filmes do Coutinho (especificamente Cabra Marcado Para Morrer, já que também é um longa rodado com um gap de décadas) das reportagens de Alpert, é a insistência nos encontros que se dão ano após ano com os entrevistados; a ponto de num dado momento determinado personagem ir embora de Cuba e um outro personagem dizer ao diretor “– (...) seu filme sobre fulano em Cuba acaba aqui”, como uma chamada que poderia muito bem levar o diretor a um possível fim. Mas Jon insiste; insiste nas conversas, nas narrativas e principalmente em ir atrás dos personagens que depois de anos tornaram-se também seus amigos.

O que importa no longa documental de Jon não é a denúncia do que ficou conhecido como o "Período Especial em Tempo de Paz", crise econômica que começou em 1989, principalmente devido à dissolução da União Soviética, em que a população cubana tinha pouco ou quase nada de acesso a produtos exportados; Alpert não parece estar preocupado com as relações entre Rússia, Cuba e EUA. Tão pouco uma possível apologia ao sistema socialista, já que em vários momentos o diretor tenciona uma visão mais crítica sobre a ideologia de Fidel Castro. Mas ele parece se importar, e por algum motivo que não fica claro no filme, com as pessoas. Com Fidel, inclusive! É de Alpert uma das últimas entrevistas concedidas pelo líder cubano, registrada apenas com fotos e sem imagens em movimento ou áudio.

Passo o filme inteiro tentando entender porque diabos aquele americanóide tinha tanta entrada e tanta moral com uma das maiores lendas da política global, e chego a uma conclusão ridícula do óbvio: a montagem! Fica claro, pelo menos para mim, que o filme se desenha a partir das experiências afetivas que o direto vivencia, e que em algum momento ganham mais valor que a ética ou o compromisso do ofício jornalístico. Alpert encontra naqueles personagens o que todo cineasta deseja.... Fabular. Seja sobre si mesmo ou sobre o outro, numa busca de entender o mundo e nossa existência nele. O tempo passa, as amizades que Jon estabelece em Cuba se vão, e com elas as convicções daquele período mais radical no início da Revolução Cubana. A curiosidade sobre o que acontecia a menos de 3mil/km da maior potência capitalista do mundo, mas que ia num discurso a contramão.

Fica claro também, ou talvez apenas para mim, que o desejo de acompanhar o líder cubano até o final da vida fazia parte de um dos maiores encontros entre o diretor e seu objeto de pesquisa, no caso, Cuba. A essência do país está na sua figura, e é engraçado como mesmo depois de tantas transformações, a população continua fiel a imagem que Castro construiu ao longo dos anos. Quase no fim do filme, por exemplo, na cena em que as cinzas de Fidel desfilam na avenida principal de Havana, há uma imagem de um menino aos prantos, chorando pela partida de Castro, e ele veste um boné vermelho com a logo da Coca-Cola, um dos maiores símbolos do imperialismo americano.

Há sintomas de que Alpert talvez fosse jovem e ingênuo demais quando começou suas primeiras investigações no país ao lado, mas ao mesmo tempo nota-se uma alegria e uma devoção que se perpetuam através de suas relações com o povo, e que para além do compromisso com as denúncias ou as críticas, é o que sobressai. É o motivo maior pelo qual o filme é Filme. São essas narrativas que importam, não necessariamente a História com H maiúsculo, embora seja ela, e quase sempre ela, que iremos contar e ouvir. Penso que o cinema é belo porque funciona como uma máquina de viagem ao tempo – máquina essa que nos leva especialmente a revisitar ou construir o que ainda alçamos como bem maior de nossa espécie: nossas relações, ainda que de interesse ou desejo, e de fazer, ou pelo menos tentar fazer, algo pela nossa sobrevivência. Depois dessa, vou-me embora para Cuba.

 

(Sobe créditos finais).

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