O ano é 2020, um dos dias mais quentes desde o início da primavera. Quase oito meses após o fechamento dos cinemas aqui no Rio de Janeiro, a data de reabertura é marcada para o dia primeiro de outubro. Ainda estamos em pandemia e o país me parece estar de pernas para o ar. Afora isso, como bons e destemidos brasileiros, estamos a catar cavaco, mas sem titubear. As ruas movimentadas, o comércio tentando sobreviver e, pelo menos aqui, próximo onde vivo, cada dia mais a vida parece um pouco “normal” – exceto pelo fato de que muitos lugares permanecem fechados e estamos todos mascarados. Seguimos no caos.

No meio disso, abro o Instagram às 8h da manhã e me deparo com a notícia da tal reabertura. Meu expediente termina às 15h e a sessão que escolhi para o retorno é 15h15... horário sincronizado. Diabos... Há tempos que olho no relógio e me pego com os números todos espelhados. Vai entender! De qualquer forma, faço tripas coração para chegar a tempo de ver o filme. Na programação, há uma curadoria interessante que vai do cinema polonês de Krzysztof Kieslowski (não me pergunte a pronúncia!), passando pelo cinema americano de Spielberg, e por fim o cinema latino com produções argentinas. Estou num dia ruim e preciso dar umas risadas, então escolho um título uruguaio, de nome sedutor, cuja sinopse me parece peculiar, Pornô Para Principiantes (2019), de Carlos Ameglio.

O filme é uma ode ao cinema. Adoro! Metalinguística sempre foi uma coisa que me atraiu: poesia que fala sobre a escrita, música que fala sobre notas e cinema que revela o próprio fazer filmes. Prato perfeito para o retorno. A sala está completamente vazia e me sinto mais segura do que no transporte público. Fotografo o local e de repente escorre uma lágrima, a pensar o quanto tudo o que temos vivido tem privado nosso cotidiano banal das pequenas sensações que costumávamos ter. É um dia memorável para nós. Os trabalhadores do espaço parecem otimistas apesar do grande vazio, há uma organização rigorosa quanto às medidas de segurança e as salas estão com capacidade reduzida. A única estreia marcada de imediato é o novo filme da Disney, Mulan.

Foi uma emoção curiosa, e apesar do gênero ser comédia, acho que ri mais do que riria normalmente. Acontece! (rsrs). Embora sugestivo, o filme não contém uma cena sequer de sex*, e como toda boa película uruguaia, o roteiro é simples, mas esmero. Me lembrei de Whisky, um dos primeiros longas que assisti produzido nessa região. Irônico e um tanto quanto nonsense, tinha uma memória boa do que vi e achei os atores especialmente bons. A título de curiosidade, um dos maiores festivais de documentário da América Latina acontece no Uruguai, o DocMontevideo, e que inclusive esse ano tinha como tema central a produção de imagens e o ativismo.

Neste trecho, gostaria de fazer um parêntese quando dias atrás, conversando com um amigo, ele me sugeriu que a coluna tivesse mais informações especificas do filme – o que para mim é um desafio, já que ver filmes é como viver minha própria vida. As histórias sempre me atravessam de alguma forma e não importa o tamanho da viagem que o roteiro apresente, sempre dou um jeito de me imaginar numa situação semelhante. Acho que é um pouco a relação que alimento com as imagens e com o forte desejo de tentar criar um significado a partir do que elas me dão. Eu devia ver mais coisas para relaxar, mas chega um momento da vida que a única coisa que relaxa MESMO é pagar uma conta e arquivar o boleto. Do resto, a gente abraça os problemas e segue sorrindo.

Mas voltando ao título, o que realmente me chamou a atenção neste filme foi o desenrolar dos momentos mais clichês, como quando os personagens principais se apaixonam e tentam ficar juntos embora pareça impossível. Ambientado nos anos oitenta, Pornô Para Principiantes narra um fato marcante na vida de um personagem contraditório, que abre a primeira sequência do filme trajado de padre e com andar e expressão severos. Avisam-no que há um sujeito que acaba de chagar na paróquia a fim de se confessar e o padre reclama do horário avançado. Quando o ritual inicia, o personagem que está do outro lado do confessionário pergunta sobre Victor. O padre retruca dizendo que Victor não existe mais e dali em diante os dois vão entrar num flashback eterno que se compromete em destrinchar o motivo pelo qual este homem decidiu procurá-lo.

Com o desenrolar do diálogo, se descobre que Victor é o nome verdadeiro do padre e que 30 anos atrás dirigira um dos maiores clássicos pornôs já filmados na história; uma versão pornográfica de "A Noiva de Frankenstein", intitulado Pornostein – obra de apelo artístico e que nasce quando Victor, na época um cineasta amador que produzia curtas metragens com a namorada, se vê na obrigação de conseguir dinheiro para realizar seu casamento. Sentindo-se pressionado pelo sogro, um bancário exibicionista, Victor vai até a locadora onde um amigo trabalha com o objetivo de vender sua câmera e descolar a grana rapidamente. O personagem do amigo, Aníbal, se mostra abalado com a notícia de que Victor pretende desistir da carreira de diretor e consegue uma oportunidade para, juntos, levantar o valor de que Victor necessita.

As cenas na locadora são sempre hilárias e cheias de nostalgia, justamente pela ambientação e características peculiares de Anibal, um amante da pornografia e nada convencional. Politicamente incorreto, apesar de demonstrar uma certa característica bronca e “ingênua”, Aníbal é funcionário de uma locadora de fachada, já que o proprietário, na verdade, é um gângstar que decide produzir um filme pornô contratando os dois amigos para dirigir e produzir. Neste percurso, Victor se apaixona pela atriz que irá interpretar a protagonista e encontra nela uma espécie de liberdade para a gaiola que o aprisionava na vida comum. Ashley, a tal atriz, que exala sensualidade e poder, apresenta um passado mágico que inclui até um namoro rápido com o diretor Wim Wenders. Enigmática, o motivo pelo qual Ashley está de passagem pelo Uruguai é também o que vai causar grande frustração neste romance utópico.

Daqui em diante só mesmo se eu desse spoiler, e como este é um dos princípios elementares desta coluna, não revelar exatamente o fim da narrativa, apenas gostaria de acrescentar que embora o filme se apresente rico em diversos aspectos, é possível que o espectador sinta um certo incômodo com algumas sequencias machistas por conta do contexto que a história se passa. Ashley, por exemplo, por interpretar uma atriz pornô, é colocada em situações de objetificação e desconforto – mas imagino eu, que por decisão do diretor e roteiro, a personagem na realidade não tem escolha e recebe o destino nada afortunado que se revela cruel; ao contrário de Victor, que vive anos escondido na figura de padre e ao final do filme encontra uma possibilidade de recomeço.

De qualquer maneira, esta foi um pouco minha experiência no retorno ao cinema e espero poder compartilhar bons encontros com os filmes que ainda devem estrear até o final do ano. Buscarei eventualmente trazer títulos que estão disponíveis nas plataformas de streaming e sempre intercalando uma produção estrangeira com uma nacional. Estamos abertos a receber sugestões e críticas. Sempre! Até breve e força para os trabalhadores que direta ou indiretamente estão ligados a produção cinematográfica do país. A sessão já vai começar.

 

(Sobe créditos finais).

Publicidade

Como anunciar?

Mostre sua marca ou seu negócio para Londrina e região! Saiba mais