Como menina que cresceu nos anos 90, assisti de perto algumas ondas de padrões de beleza. Os seios mal tinham terminado de crescer e já começou a moda do silicone entre as meninas ao meu redor... Amigas de 16 e 17 anos, ainda no colegial, começaram a se submeter a tal cirurgia. Nessa época, cheguei eu mesma, na tentativa de me encaixar, a ir numa cirurgiã plástica para saber a opinião dela sobre eu colocar próteses, mas fui desencorajada: “espera até os 21 anos e, se você ainda quiser, volte aqui que conversamos”.  A sensatez dela é coisa que agradeço até hoje, visto que a ideia deixou de fazer sentido para mim depois de uns bons anos.

Ainda durante o colegial, assisti a uma sucessão de amigas passando por mesas cirúrgicas. Meninas ainda na menoridade colocando mais peito e até mesmo tirando os seios naturais para colocar próteses, fazendo lipoaspiração nos braços e barriga e se recuperando com dificuldade enquanto estudávamos para as provas finais de matemática ou filosofia.

Essas lembranças me entristecem. Fico pensando o que fizeram com a gente para que normalizássemos esse tipo de intervenção cirúrgica em adolescentes que, pasmem, já pareciam corresponder bastante ao padrão de beleza imposto. Era o final da primeira década dos anos 2000. Ainda não tínhamos smartphone, nem Instagram, nem facetune, muito menos filtros.

O que veio depois me assusta ainda mais. Meninas novas e muitas vezes também vistas como dentro do padrão se submetendo a cirurgias extensas e dividindo tudo pelas redes sociais... uma verdadeira corrida para se encaixar em um modelo de beleza que, sabemos, nunca é o suficiente. E quando a gente acha que conseguiu se encaixar, lá vem mais coisa: o peito grande passa a não ser mais a moda do momento, ou a sobrancelha agora é cheia e preenchida, ou a boca precisa ser maior. E lá vamos nós tirar as próteses, fazer micropigmentação para recuperar os anos de sobrancelha fina, receber injeções nos lábios. Eis a pressão estética. Não tem fim. E todo dia coisas novas são inventadas: Lipo LAD, Lipo HD, harmonização facial... É uma infinita perseguição ao padrão de beleza. A pergunta que fica é: a que custo e por quê?

Por que temos arriscado nosso dinheiro, nosso tempo e muitas vezes nossa saúde em nome de uma barriga x ou uma coxa y? Até mesmo para a virilha há um padrão!  E as redes sociais não ajudam em nada, já que, na grande maioria das vezes, apresentam uma visão distorcida da realidade, o que acaba causando um impacto negativo em relação ao próprio corpo por tanta comparação irreal. Há até mesmo jovens que fazem cirurgias plásticas e outros procedimentos para ficarem parecidos com suas selfies com filtro. A onda de comparação com uma “melhor” versão de si acabou desembocando no que especialistas chamam de dismorfia de Snapchat, segundo matéria da Época, "uma tendência alarmante, porque essas selfies com filtros frequentemente apresentam uma aparência inatingível, e estão apagando a linha entre realidade e fantasia desses pacientes”. Mais do que a ideia de parecer mais bonita, o transtorno significa que algumas pessoas passam a não tolerar mais suas imagens reais e buscam, a todo custo, parecer como nos filtros.

Se na década passada eram a mídia, as passarelas e as capas de revista que nos mostravam um padrão impossível de alcançar, agora nós mesmos sobrepomos esses padrões em cima do nosso rosto, sem nem pensar muito no assunto.  Na contramão disso, nas últimas semanas, vimos alguns filtros dos Stories do Instagram questionando esse padrão. 

 
 
 
 
 
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O Manifesto da Alva, por exemplo, já conta com mais de 10 milhões de visualizações. Na página, ela explica: “Este manifesto foi criado por 2 motivos: 1 - Expandir a consciência de que somos muito mais do que um corpo e de que PRECISAMOS desconstruir essa ficção que nos é imposta. 2 - Fortalecer o coletivo feminino para enxergarmos com generosidade que unidas somos um, somos mais fortes e que a nossa potência só depende de nós! Mas a surpresa é que estamos mais unidas do que se parece. Até agora 10 milhões de pessoas visualizaram os vídeos do filtro “MANIFESTO”, 363.575 mil pessoas abriram o filtro, 97.418 mil pessoas gravaram o filtro e 24.064 mil pessoas compartilharam. Eu e minha equipe agradecemos a cada mulher que se dispôs a fazer esse processo e mostrar o rosto num processo de desnudar-se e conversar sobre o assunto. Nosso natural não é defeito!”.

Bruna Kuntz, criadora de filtros do Instagram, também deu o seu recado no filtro “Perfect face”:  "Em 2018, o Brasil realizou 1.498.327 cirurgias plásticas. Atualmente, é o país que mais realiza cirurgias plásticas no mundo! As cirurgias em adolescentes cresceram 141% nos últimos dez anos. E o motivo de 55% das pessoas que fizeram rinoplastia foi sair melhor em selfies. O que os filtros estão fazendo com a gente?”.

Estendo a pergunta a você e completo: O que nós estamos deixando que façam com a gente? É claro que temos o direito de fazer com os nossos corpos aquilo que escolhemos, mas cabe perguntar: será que realmente estamos fazendo isso por nós mesmas ou sendo vítimas de um discurso inalcançável de pressão estética e padrão de beleza? É urgente: a gente precisa parar de se odiar. E repetir isso todo dia, para não esquecer.

Um bom livro para ler e pensar mais sobre o assunto: O mito da beleza, de Naomi Wolf

 No livro O mito da beleza, Naomi Wolf afirma que o culto à beleza e à juventude da mulher é estimulado pelo patriarcado e atua como mecanismo de controle social para evitar que sejam cumpridos os ideais feministas de emancipação intelectual, sexual e econômica conquistados a partir dos anos 1970. Para saber mais, leia abaixo  as impressões de Taís Okada: 

 
 
 
 
 
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Foto de capa: Alexander Krivitskiy on Unsplash

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